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domingo, 20 de outubro de 2013

Realeza.

Tão reais
Centenas de reais
Tão iguais

Sangue azul combinando com o tapete
A realeza cai com um gancho de direita

domingo, 6 de outubro de 2013

Despedida.

Ele era um homem de gostos simples, preferia apenas o melhor de tudo. Boas bebidas, bons discos, bons livros, bons amigos. Por outro lado, tinha bem claro aquilo de que não gostava: despedidas. Na verdade, ele dizia não acreditar em despedidas, isso mesmo, acreditar. Tal como alguns não acreditam em Deus, um grande amigo não acreditava em dança e sua ex-namorada não acreditava em amor. Simples assim, não acreditava em despedidas. Fugira de, segundo as suas contas, trinta e sete despedidas até então, jamais fora a um último dia de aula, sentiu-se tentado a ir à formatura do ensino fundamental, mas resistiu, quanto à do ensino médio nem mesmo passou perto. No primeiro emprego pediu demissão por telefone, não voltou nem mesmo para buscar suas coisas, temia que pudesse dizer adeus, ele podia comprar outros objetos, não podia se arriscar a perder sua recordista sequência. No segundo emprego passou o último dia sem comentar nada com ninguém e saiu como num dia qualquer, os companheiros sequer faziam ideia de que era seu último dia. Não foi ao enterro de sua mãe. Desde quando a ex e única namorada de toda vida terminou tudo, nunca mais falou com ela, mas muito menos se despediu, nunca a deixou ir e não se satisfaz com isso, ela ainda está com ele, ao menos é assim que seu pai o vê – seu pai é psicólogo, pensa que sabe tudo do filho – dizia que o garoto negava a perda, por isso jamais soube se despedir, ele via razão no que o pai dizia, não dizer adeus é a maneira que encontrou para não colocar um ponto final, então, literalmente, ele ainda está na primeira série, na segunda série, na terceira série, na quarta série, na quinta série, na sexta série, na sétima série, na oitava série, no primeiro, segundo e no terceiro ano do ensino médio, sua mãe ainda vive, ainda trabalha no primeiro emprego, ele ainda namora com ela, ainda trabalha no segundo emprego, ele ainda está vivo.

domingo, 1 de setembro de 2013

Mitomania.

"tô ok
tudo bem e você?
tranquilo
só alegria
haha
tudo ótimo
beleza
tudo bem"
"eu te amo"

domingo, 18 de agosto de 2013

A Russa.

O olhar azul claro a penetrava, ela sofria para evitar, era uma tortura, estava em guerra com a vontade. Olhos azuis difíceis de invadir mas, quando dentro, não se quer mais sair, olhos de um mar gelado. Nadou, nadou, nadou naquele olhar, caiu em perdição maior ainda, a pele de neve avalanchou sobre ela, um abraço, apenas a natureza seguindo seu caminho, congelada por aquele abraço tão quente, não podia ir a lugar nenhum, entregou-se. As delicadas mãos tateavam aquele corpo-montes-urais, perdia-se em pela neve daquele corpo agora deserto. Aninhou-se naqueles cabelos dourados, riqueza maior que a de qualquer czar, sua riqueza agora, mais rica que qualquer outra pessoa jamais havia sido. Respirações sincronizadas, corações um só, e aquela boca vermelha comunista querendo ser uma só com a sua, iguais, uma só boca, uma só pessoa. A Russa foi o seu primeira amor.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Estrela Azul.

Estrela Azul ainda brilha.
Todo o passado corre
Nas pistas de toda vida.
Pistas do que já foi,
Do que pensou em ser,
Do que poderia ter sido.

A casa do chão vermelho,
Alegrias que não são lembranças,
Alegrias ensinadas, contadas,
Vividas talvez,
Sobretudo contadas.

Nada extraordinário
O melhor da classe,
Classe pequena,
Nada extraordinário
Perto de tantos outros.

Estrela Azul,
Vontades e desejos,
Perdidos, tão distantes.
Tudo que tornar-se-ia tão fácil,
Vontades e pedidos.
Desejados, tão distantes.

As brincadeiras,
Os bonecos,
Os desenhos,
Os jogos,
E um comunismo por medo de ser derrotado,
Comunista antes de saber de comunismo,
Mais comunista que jamais seria.

A casa da rua de cima.
O lobisomem da colher de sal.
Alucinações de seis anos de idade.
Futebol de portão de um só jogador.
Aniversário chuvoso e gelado.
Edênicos jardins de Esperança.

Grande literatura de pequeno
Com Marcelos, Princesas, Marmelos, Ervilhas e Martelos,
A arca de Noé,
E um poeta em potencial? Não sei.
Poeta inato? Não sei.
Poeta? Não sei.

Estrela Azul que se apaga.
Ecos, nada mais,
Somos apenas isso no final,
Memórias, lembranças,
Álbuns, histórias.

domingo, 7 de julho de 2013

Perdão.

João sempre achou que, quando fosse chegada a indesejada das horas e ele tivesse de se encontrar com aquele senhor lá que manda em tudo, ele teria de responder muita coisa, explicar-se por outras, apenas pedir desculpas por outras inexplicáveis, mas não foi bem assim que tudo se passou.
Foi há umas duas semanas, era quarta-feira, João tinha saído cedo pro trabalho, beijou a esposa que ainda estava na cama, a Joaninha que ainda dormia porque já entrara de férias e foi junto com o Fernando (o danado tinha ficado de recuperação em português) para o carro, deixou o Fernandinho na escola com um beijo na testa e um sorriso, seguiu dali para o escritório. O escritório o aporrinhava, bons-dias amargos de café, o mesmo barulho o tempo todo do toque dos teclados de todos os trabalhadores em seus teclados repetidos o dia todo o tempo todo, o Sr. Albuquerque a encher-lhe o saco com solicitações pendentes dos nossos colaboradores em Denver para amanhã e um dossiê de tantas páginas que, ei, eles querem que você o refaça. Maldito Sr. Albuquerque. Passou a manhã vendo o relógio tiquetaquear e empoladamente tentando escrever o dossiê dos nossos colaboradores até que a mais desejada das horas chegou, 12h.
Horário de almoço cheio de sorrisos mais verdadeiros e mais largos que de menino de catorze anos quando pensa que está amando, afinal era quarta feira, dia de feijoada. Ia com os amigos do escritório para o restaurante que ficava a duas quadras abaixo. Ia, quando ia atravessar a avenida o Otávio da contabilidade gritou pra ele alguma coisa sobre o jogo da seleção, quando ouviu, parou e virou pra dizer que aquela copa era nossa, um ônibus que João achou lindo, imenso e laranja (logo logo laranja e vermelho), maior que os sonhos, as vidas de sua família ou qualquer outra coisa passou por cima dele, os que estavam lá dizem que a cena foi feia.
Chegando lá em cima, um velhinho bem barbudo lhe sorriu. João o reconheceu na hora, sabia que era chegado o momento, pensou que precisaria justificar tanta coisa, traíra sua esposa com a Lurdes, quando mais jovem fizera tanta coisa errada, era chegada a hora e ele não fazia ideia de como se justificaria. Ia abrir a boca quando, tal como o ônibus, o velho interrompeu seus pensamentos e tomou a dianteira, dizendo a ele que tudo que queria era o seu perdão.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Poema bom.

Minha vida por um poema,
Um verso que valha uma eternidade.

Eu sou, gentil Marília, eu sou cativo
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu não sou nenhum Hércules.
Meus olhos vão buscando lembranças,
Como gravatas achadas.
E que dificuldade de falar!
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!

Talvez poema bom
Seja poema meu mesmo.

domingo, 9 de junho de 2013

Penitência.

Personagens da peça: O Juiz, os réus, os advogados, um júri.

A peça inicia-se em um grande tribunal, diversos réus aguardam enquanto conversam a entrada do senhor Juiz, após a sua entrada todos se sentam e é dado início ao julgamento.

Juiz: Ordem, ordem no tribunal. Que venha o primeiro a ser julgado.
Primeiro réu: (Para o seu advogado) Bem, é melhor eu ir logo porque ordem é comigo mesmo. (Para todos.) Bom, não creio ter cometido crime algum, mas se o senhor quiser julgar-me, sou todo seu.
Juiz: Certo, vejamos bem, tu não fizeste muito mal, foste sempre pelo bem dos pobres e sempre promoveste a igualdade, apesar de um erro ou outro acobertado por teus chefes. Por que ele está aqui então?
Advogado do primeiro réu: Bem, senhor, o meu cliente não fez nada de errado. Está aqui apenas por ter comido algo que disseram ser proibido por uma lei diferente da nossa, o que não faz sentido. (Entrega a constituição estrangeira para o Juiz) Se o senhor analisar bem, verá que, de fato, é proibido o consumo dessa carne para esses estrangeiros, mas o meu cliente vive aqui, e portanto deve seguir a nossa lei.
Juiz: Culpado! Não se deve ir contra a lei, não importa qual seja.

Juiz: Que venha o segundo réu.
Segundo réu: Certo, ele está usando a minha constituição, então vai ser fácil me livrar.
Juiz: Vejo que o senhor jamais comeu da carne que não devia comer, nem mesmo fez mal indiscriminadamente, por que está aqui então?
Advogado do segundo réu: Bem, senhor, o meu cliente não fez nada de errado. O motivo que o trouxe aqui foi o fato de que buscou sempre o poder e a riqueza, mas sempre com trabalho árduo e sem jamais roubar de ninguém algo sobre o que não tinha direito. Mas isto não está prescrito por nossa lei, apenas pela lei de nosso vizinho, ele não deve ser julgado por leis alheias.
Juiz: Culpado! Não se deve ir contra a lei, não importa qual seja.

Juiz: Que venha o terceiro réu.
Terceiro réu: (Aparte) Ó, céus, vejo que não será fácil sair daqui inocente, esse Juiz não faz sentido algum.
Juiz: O senhor também é um bom cidadão, jamais comeu da carne que não devia comer, nem mesmo fez mal aos seus semelhantes e muito menos avarento foi. O que o traz aqui então, bom homem?
Advogado do terceiro réu: Bem, senhor, o meu cliente não fez nada de errado. O crime que dizem ter cometido, veja só, é o de amar demais, meu bom Juiz. Sim, exatamente isso que o senhor ouviu, meu cliente é acusado de amar demais. Isso porque no país de um desses outros não é permitido que se ame demais, e como o meu cliente desposou mais de uma moça, o que inclusive é algo bom, pois primeiramente não cometerá o adultério, e em segundo lugar ele cria uma família ainda maior e ajuda ainda mais mulheres ao mantê-las sob seu teto. Ele não é culpado, ele não deve ser julgado pelas leis desses outros homens.
Juiz: Culpado! Não se deve ir contra a lei, não importa qual seja.

Juiz: Bem, e você aí, garoto? Que foi que você fez?
Último réu: Acho que nada. Eu bebo, eu fumo um pouquinho também, mas nada de mais, sabe?
Juiz: Muito bem, todos temos nossos defeitos, não é? Mas e com o dinheiro, como anda?
Último réu: Ah, eu tenho o meu emprego mas eles não pagam muito, mas mesmo assim eu não fico muito endividado, aprendi bem a me organizar nisso com a minha mãe.
Juiz: Bom, e com as mulheres, como estamos?
Último réu: Eu namoro, o nome dela é Madalena, ela é maravilhosa e a gente se dá muito bem e eu nunca a traí, aliás nunca traí nenhuma garota com quem eu estivesse, (Sussurra) Embora eu conhecesse a Madalena desde a época em que eu tava com a minha última namorada e meio que tava de olho nela desde então, mas só de olho mesmo.
Juiz: Bem, quem é que nunca olhou pra alguma outra, não é? Mas e o seu advogado?
Último réu: Não tenho.
Juiz: Bom, mas por que está aqui, meu deus?
Último réu: Não faço a mínima ideia, faço coisas erradas aqui e acolá, mas nunca por maldade, não mesmo. A grande verdade é que eu achava que isso aqui era uma mentira, que o senhor nem mesmo existia e que eu não ia precisar ser julgado.
Juiz: Inocente.

domingo, 19 de maio de 2013

A poetisa.

Tinha um sonho inquieto.
Os poemas beijavam-me.
Oh, se me amasses,
Mesmo que tiranicamente,
Mesmo como grito.

Você estava comigo então?
Quando choramos juntos, 
quando caímos juntos, 
quando veio o adeus...
Mas não estava.
Nem PRONTA,
Nem comigo.

Despenteado ar de graça,
que nem santa.
Nem deuses salvariam
Da imagem posta em minha frente.

Não, não digo que rasga -
mas queima-me a ponta dos dedos.
Queima-me tentar alcançar,
A pele que nunca foi minha.
Mas acalmo-me
Pois eu sei que não mata -
amputa-me de um amor.

Eu revelei-me demais e o sei,
desnudei ombros e pescoço
e toda a sombra que eu inventei
caiu sobre meu antro insosso.

Eu pensava que era o maior poeta da minha vida
e tu ali, jazida doce.

domingo, 12 de maio de 2013

Oração.

O maior corte da minha vida aconteceu por volta de uns oito ou dez anos de idade, mamãe antes disso sorria e dizia "dorme com os anjos". Eu adorava os anjinhos, eu deitava na cama, esperava mamãe cantar uma canção de ninar daquelas bem bonitinha ou me contar uma história – eu adorava aquela da princesa que só descobriam que era princesa quando ela sentia que tinha dormido em cima de uma ervilha mesmo com um montão de colchões, eu sempre ficava tontinho tontinho com a ideia de que ela era assim tão delicada – aí depois de tudo isso mamãe me cobria, dava um beijo quente na testa e dizia "dorme com os anjos". Depois disso era tudo festa, os anjinhos iam aparecer e eu me metia debaixo dos meus cobertores e sonhava com eles, meus anjinhos assim tão lindos. Um grandinho, devia ter a idade do meu irmão mais velho, esse anjo sempre tinha uma cara de sério, mas ele brincava com a gente mesmo assim, acho que mais pra cuidar de nós. O do meio era um pouco mais velho que eu, mas que anjo mais safado, viu? Vivia pulando de cá pra lá, batendo as asinhas, tirava a auréola e girava no dedo, jogava daqui pra ali, nunca entendi como ele fazia aquilo, até levantava a bata e mostrava o pipizinho por aí. Já a menorzinha era uma fofa, era do meu tamanho e não brincava muito, não, era mais quietinha. Os olhinhos azuis, clarinhos clarinhos, os lindos cabelos loiros, caíam pelos ombros e brilhavam tanto, mesmo que me visitassem só de noite, e o sorriso tímido que ela sempre me dava quando vinham me visitar, a bata parecia um vestidinho de noiva, lembrava porque tinha visto um igual nas fotos do casamento da mamãe e do papai. Aí eu fazia de conta que ela era minha namorada ou coisa assim e ela gostava tanto de mim.
Só que um dia mamãe foi e veio com esse tal de Deus. Era uma noite como todas as outras, já havia me deitado e ela subiu, abriu a porta do quarto, quando começara a me empolgar e esperar por minha noiva a minha mãe disse da porta "dorme com Deus". Fiquei abismado, a minha esposa não vinha aquela noite? E quem era aquele Deus? Lembrava de ter ouvido falar dele algumas vezes, quando algo de ruim acontecia os adultos gritavam "Meu Deus", "Deus do céu" ou coisa similar. Sem contar que ele parecia um completo censor, pois toda vez que eu fazia algo de errado eles diziam que Deus estava vendo. Algumas semanas ela nem mesmo ia ao meu quarto, algumas vezes apenas dizia "dorme com Deus" enquanto eu me encaminhava para o meu quarto. A culpa era toda daquele Deus.
A esse ponto já não sabia mais o que fazer, procurei ajuda dos amigos mais próximos e o Dênis – um  menino com quem estudava que era muito barrigudinho e muito inteligente – disse-me que a mãe dele lhe havia que Deus era muito forte e bom e que ele podia realizar nossos desejos se fizéssemos a ele uma oração, até parece que era bom, fora ele mesmo que me tirara a minha querida. Eu já havia ouvido falar nisso de oração, mamãe me ensinara uma oraçãozinha para Nossa Senhora uma vez e também tinha um tal de Pai Nosso, mas nem dava bola para isso, só pensava na minha anjinha, morria de saudades dela. Segui então os conselhos do tal Dênis, chegada a noite ajoelhei-me em frente à cama, apoiei os cotovelos no colchão e lembrei da minha princesa, ela sentiria todas as madeiras lá embaixo, era tão pura e angelical. Fechei os olhinhos e falei com Deus. O mais engraçado é que, segundo o Dênis, você não precisa falar de verdade pra falar com Deus, ele ouve os nossos pensamentos e tá dentro da gente mesmo, achei estranho eu precisar fazer tudo isso então, se ele ouvia os nossos pensamentos ele não devia saber o que eu queria? Orei mesmo assim, e continuei por um bom tempo, mas nunca mais vi o meu anjo de volta.
Foi assim até os quinze anos, quando a conheci. Era um dia comum na escola, eu passava por todos sem reparar em ninguém, mas por acaso esbarrei nela e ela fez uma piadinha sobre mim. Sim, eram os mesmos cabelos, sim, eram os mesmos olhos. Não estava com o vestidinho, mas isso porque usava o uniforme da escola. Agradeci Deus, agradeci tanto quando cheguei em casa. Demorou mas atendeu meu pedido, lá estava a minha namorada, a minha noiva, a minha esposa! Sim, lá estava ela em carne e osso. Conhecemo-nos melhor, passamos um certo tempo juntos mas logo veio outro corte, sem Deus nem nada, só alguém mais bonito e mais engraçado.
Ajoelho-me em frente à cama, apoio os cotovelos e fecho os olhos.

domingo, 28 de abril de 2013

Lar.

Nascido e criado na cidade antropófaga
Perdido no mundo por buscar um lar
Na cidade sem identidade,
Na terra sem cara.

Roubamos deles tudo que queremos,
Comemos, digerimos e tentamos ter uma casa
Lutamos, perdemos, tentemos ter uma causa
Mas somos apenas perdidos

Não tenho lar,
Porque devo ser o mesmo que o rapaz da minha rua?
Não sou o mesmo que o rapaz da minha rua. 
A única coisa que temos em comum é a rua
E a rua eu logo abandono.

Na verdade, sou o mesmo que a moça de além-mar
Então porque não sou o mesmo que a moça de além-mar?
Se sou o mesmo que a minha querida moça?
Sim, tenho lar.

sábado, 20 de abril de 2013

A Chuva.

Vivia com a chuva como um adolescente que se envergonha dos pais. Cansara-se daquele lugar maldito já havia um bom tempo, não havia um dia em que não caísse pelo menos uma só gota do céu. E mesmo enquanto não chovia a vida não ficava muito melhor, as nuvens carregadas faziam questão de ficar por ali mesmo e não davam chance alguma para o Sol, era impossível manter-se bem humorado naquele lugar.
Se fazia planos, a chuva os desmanchava, se pensava em dias melhores, o céu fechava. Lugar maldito, lugar que não sabia ser feliz, todos só trabalhavam e passavam por aqui e ali tão fechados em seus sobretudos, protegendo-se com seus guarda-chuvas e guarda-relações. As pessoas de lá já sabiam muito bem como lidar, mas não ela, ela era feliz. Saco de lugar que só tem gente chata, gente que só quer trabalhar e ficar séria. Ela era melhor do que isso, evidentemente, tinha amigos de tantos lugares, tinha gostos tão fenomenais, ela era, realmente, fenomenal e espetacular e fora do comum e extraordinária. Gostava de tanta música boa, via filmes tão profundos, lia livros tão tocantes. Sim, os livros, tinha um excelente gosto para livros, já havia lido todos os clássicos, conhecia tantos autores contemporâneos que se destacavam também. Passava, por esse motivo, grande parte de sua vida em bibliotecas, o que era bom pois assim fugia da chuva e do mundo chuvoso, mergulhando no mundo do fantástico, fabuloso e inacreditável. Foi aí que aconteceu o momento grande da sua pequena vida na gigante cidade, encontrando um livro de um poeta desconhecido, leu.

Chove lá fora.
Chove e a chuva sou eu.
Chovo tudo de errado que há em mim,
Chovo tudo de certo que há em mim.
Chovendo eu sigo toda a vida.


Chovo mas não importo.

Chovo não como outros chovem.
Chovem tempestuosos.
Chovem tocantes.
Chovem comoventes.


Chovo só eu.

Foi então que, como se um relâmpago lhe atingisse, entendeu a chuva. Entendeu a chuva e chorou.

sábado, 13 de abril de 2013

Motivos para se amar uma garota.

se ela usar vestidos fora de ocasiões especiais.
se você não cansar do sorriso dela.
se ela tiver uma prosódia fofa.
sim, a prosódia é fundamental.
se ela tiver um queixo bonito.
se você pensar nela ao ouvir folk.
se ela souber que o que vai além de p.s. não é p.s.2
e sim p.p.s. e depois p.p.p.s.
também se ela souber que p.s. significa post scriptum.
se ela tiver um sobrenome legal,
seja pelo sentido ou pela sonoridade.
se ela gostar de poesia irlandesa
e se ela achar seus poemas lindos,
mesmo os mal escritos,
mas é claro, porque são dela.
se ela te amar também cai bem,
mas não é assim essencial,
não tanto quanto a prosódia.

sábado, 6 de abril de 2013

Panapaná.

Estava deitado no colo dela quando a tarde caía. Ele adorava desperdiçar dias assim, com ela, sem fazer nada, vivendo de amor, vinho, boa música e bons livros. Estava deitado no sofá em frente à varanda com a cabeça apoiada no colo dela, a luz clareava metade do quarto e a poeira brilhava flutuando lentamente, aquela simples beleza lhe fascinava. Ela acariciava seus cabelos de uma maneira que ele adorava, enrolando ainda mais aqueles encaracolados e macios fios pretos, quando ele resolveu quebrar o silêncio.
— Acho isso tão lindo, sabe? Essa poeirinha brilhando assim quando a tardinha cai, parecem até umas fadinhas ou coisa do tipo.
— Panapaná. — as conversas deles eram sempre assim, ele falando muito e tentando não parecer idiota, ela sempre monossilábica o destruindo com frases diretas.
— Um panapaná? Como assim panapaná?  — olhou para ela completamente confuso.
— Coletivo de borboletas.
— Ah.
Só assim ele falava pouco, quando não tinha o que falar. Deitou-se de volta e pensou um pouco no que ela havia dito. Sim, aquilo realmente parecia um monte de pequeninas borboletas, era tão bonito. Puxou a ponta do vestido dela como uma criança tímida chama a mãe, olhou naqueles olhos acastanhados e disse:
— 'Cê me dá um panapaná no estômago.
Ela apenas fechou os olhos e sorriu-lhe sem mostrar os dentes. Ele a amava.

sábado, 23 de março de 2013

O Piano.

Disse-lhe que ela o tocava como um piano,
Cada toque delicado era música pura.
"É por isso, minha querida, que tanto a amo,
Cada toque, cada carinho da mão tua."
Nas mãos dela ele apenas era bela música.

Mas pianos não são feitos apenas de beleza
Ou graça.
Pianos apenas dão de volta aquilo que alguém lhes dá,
Toque sublime é respondido com música sublime,
As pancadas, apenas estridência.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Roleta Russa.

Continuo com essa vida miserável. Jamais conhecerei o amor da minha vida, continuarei em um emprego que não gosto, rodeado de parasitas, essas pessoas são vampiros, e pessoas com toda sorte de falhas, que apenas pensam no mal dos outros e em pisar uns nos outros. Um dia termino a faculdade, que tornar-se-á um fardo, não que eu não a ame, pelo contrário, mas o problema está em todas as pequenas burocracias, o implícito sentimento de competição e outras coisas igualmente ridículas. Caso-me mais tarde, talvez não porque queira, talvez porque apenas me foi imposto, já era hora de casar para ser normal. Dois filhos, um menino e uma menina, tipicamente normal, crescem saudáveis, tão inteligentes e especiais (pobres deles quando descobrirem que lá fora há milhões tão saudáveis, inteligentes e especiais). Pagarei a escola dos dois, crescerão, meus dois orgulhos, tudo de que me orgulho, um dia entram na faculdade, começam a trabalhar. Aposento-me, quase sou feliz, chego lá.

Continuo com essa vida miserável. Jamais conhecerei o amor da minha vida, continuarei em um emprego que não gosto, rodeado de parasitas, essas pessoas são vampiros, e pessoas com toda sorte de falhas, que apenas pensam no mal dos outros e em pisar uns nos outros. Um dia termino a faculdade, que tornar-se-á um fardo, não que eu não a ame, pelo contrário, mas o problema está em todas as pequenas burocracias, o implícito sentimento de competição e outras coisas igualmente ridículas. Caso-me mais tarde, talvez não porque queira, talvez porque apenas me foi imposto, já era hora de casar para ser normal. Dois filhos, um menino e uma menina, tipicamente normal, crescem saudáveis, tão inteligentes e especiais (pobres deles quando descobrirem que lá fora há milhões tão saudáveis, inteligentes e especiais). Pagarei a escola dos dois, crescerão, meus dois orgulhos, tudo de que me orgulho, um dia entram na faculdade, começam a trabalhar. Aposento-me, quase sou feliz, chego lá.

Dou fim a tudo isso e ainda saio por cima. Eu tinha um futuro tão brilhante pela frente, cresceria no emprego, era um cara tão legal pra se conviver, todos me adoravam, sem exceção. Sinto muito, meu amor, mas eu a abandono e fica apenas imaginando como seria se terminássemos juntos, mas eu a decepcionaria, como é bom ser apenas algo imaginado. Terminaria a faculdade com louvor, pós-graduação, mestrado, doutorado e tudo o mais que jamais faria se tudo isso fosse real. Mas, coitado, escrevia tão bem, poderia virar um grande poeta, chegaria a ser conhecido, reconhecido. Coitado, um grande amigo, um grande filho, um grande aluno, um grande irmão, um grande companheiro de trabalho, sim, de repente eu seria tão grande, maior que todos. O melhor de tudo é que logo me esqueceriam, e eu seria apenas uma possibilidade, um "poderia ter sido", um jogo de azar.

Continuo com essa vida miserável. Jamais conhecerei o amor da minha vida, continuarei em um emprego que não gosto, rodeado de parasitas, essas pessoas são vampiros, e pessoas com toda sorte de falhas, que apenas pensam no mal dos outros e em pisar uns nos outros. Um dia termino a faculdade, que tornar-se-á um fardo, não que eu não a ame, pelo contrário, mas o problema está em todas as pequenas burocracias, o implícito sentimento de competição e outras coisas igualmente ridículas. Caso-me mais tarde, talvez não porque queira, talvez porque apenas me foi imposto, já era hora de casar para ser normal. Dois filhos, um menino e uma menina, tipicamente normal, crescem saudáveis, tão inteligentes e especiais (pobres deles quando descobrirem que lá fora há milhões tão saudáveis, inteligentes e especiais). Pagarei a escola dos dois, crescerão, meus dois orgulhos, tudo de que me orgulho, um dia entram na faculdade, começam a trabalhar. Aposento-me, quase sou feliz, chego lá.

Continuo com essa vida miserável. Jamais conhecerei o amor da minha vida, continuarei em um emprego que não gosto, rodeado de parasitas, essas pessoas são vampiros, e pessoas com toda sorte de falhas, que apenas pensam no mal dos outros e em pisar uns nos outros. Um dia termino a faculdade, que tornar-se-á um fardo, não que eu não a ame, pelo contrário, mas o problema está em todas as pequenas burocracias, o implícito sentimento de competição e outras coisas igualmente ridículas. Caso-me mais tarde, talvez não porque queira, talvez porque apenas me foi imposto, já era hora de casar para ser normal. Dois filhos, um menino e uma menina, tipicamente normal, crescem saudáveis, tão inteligentes e especiais (pobres deles quando descobrirem que lá fora há milhões tão saudáveis, inteligentes e especiais). Pagarei a escola dos dois, crescerão, meus dois orgulhos, tudo de que me orgulho, um dia entram na faculdade, começam a trabalhar. Aposento-me, quase sou feliz, chego lá.

Continuo com essa vida miserável. Jamais conhecerei o amor da minha vida, continuarei em um emprego que não gosto, rodeado de parasitas, essas pessoas são vampiros, e pessoas com toda sorte de falhas, que apenas pensam no mal dos outros e em pisar uns nos outros. Um dia termino a faculdade, que tornar-se-á um fardo, não que eu não a ame, pelo contrário, mas o problema está em todas as pequenas burocracias, o implícito sentimento de competição e outras coisas igualmente ridículas. Caso-me mais tarde, talvez não porque queira, talvez porque apenas me foi imposto, já era hora de casar para ser normal. Dois filhos, um menino e uma menina, tipicamente normal, crescem saudáveis, tão inteligentes e especiais (pobres deles quando descobrirem que lá fora há milhões tão saudáveis, inteligentes e especiais). Pagarei a escola dos dois, crescerão, meus dois orgulhos, tudo de que me orgulho, um dia entram na faculdade, começam a trabalhar. Aposento-me, quase sou feliz, chego lá.

sábado, 2 de março de 2013

Um anjo.

Um anjo infiel,
Cabelos de ouro,
Olhos cor do céu.

Um anjo tão bom,
Amável e puro,
Sem salvação.

Um anjo sem fé
Posto em agouro,
Caiu em pé.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Fraca.

Disseram-lhe que era fraca, e isso a fez pensar: realmente era fraca? Bem, fisicamente não era a pessoa mais forte ou atlética do mundo, mas não era exatamente nesse sentido que diziam isso. Diziam que era fraca por não aguentar críticas.
Sentia-se fraca, sabia que talvez não fosse realmente fraca, mas se sentia fraca, isso era um fato. Mas não é assim que as coisas são, o discurso não constrói a realidade, mas insistiam nisso, pensava que se dissessem que era fraca, ela era fraca, se dissessem que não era boa o suficiente, ela não era. Estava errada, crescera dando mais atenção aos outros do que deveria, talvez isso realmente fosse uma fraqueza, mas não tão grande quanto a que eles lhe faziam pensar. Por vezes ela mesma repetia palavras como estas para si mesma, a sociedade está podre, tudo que dizem está errado. Mas mesmo assim sentia-se fraca.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

De mãos dadas.

Por vezes imagino segurar tuas mãos.
Nada de mais, apenas meus dedos entre os teus,
Mas isso dá-me uns calafrios,
E um sorriso bobo.

Sim, o mero imaginar
De segurar tuas mãos pela primeira vez
(E última, querida, como são passageiras as alegrias)
Alegra-me de maneira ímpar.
A simplicidade do pensar em nossos dedos se abraçando,
Conhecendo-se pela primeira vez,
Levam-me para o paraíso.
A ideia do calor de tuas mãos
(Ou tuas mãos podem estar geladas, faria sentido).
Conseguem fazer de mim o homem mais feliz.

E, de repente, estamos de mãos dadas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Pugilista.

Uma grande parte das apostas dizia que ele cairia cedo, entre o primeiro assalto e o terceiro, o que fazia sentido, pois era jovem e inexperiente, sem contar que o adversário era um lutador renomado, embora agora decadente.
O seu velho treinador discordava, acreditava no potencial do garoto, ele havia vencido diversos torneios quando amador, assim como seus números provavam que ele muito provavelmente daria trabalho a seu adversário.
A sua namorada, todavia, defendia que ele não lutasse. Ela odiava o boxe, cansava-se se vê-lo chegar em casa com tantos hematomas, não aguentava acariciá-lo e causa-lhe dor, o vermelho do sangue não combinava com o azul de seus olhos, ela dizia a ele de maneira bem humorada, pois apesar de não gostar, apoiava o sonho dele por amá-lo tanto.
Ele jogou a toalha.