domingo, 6 de outubro de 2013

Despedida.

Ele era um homem de gostos simples, preferia apenas o melhor de tudo. Boas bebidas, bons discos, bons livros, bons amigos. Por outro lado, tinha bem claro aquilo de que não gostava: despedidas. Na verdade, ele dizia não acreditar em despedidas, isso mesmo, acreditar. Tal como alguns não acreditam em Deus, um grande amigo não acreditava em dança e sua ex-namorada não acreditava em amor. Simples assim, não acreditava em despedidas. Fugira de, segundo as suas contas, trinta e sete despedidas até então, jamais fora a um último dia de aula, sentiu-se tentado a ir à formatura do ensino fundamental, mas resistiu, quanto à do ensino médio nem mesmo passou perto. No primeiro emprego pediu demissão por telefone, não voltou nem mesmo para buscar suas coisas, temia que pudesse dizer adeus, ele podia comprar outros objetos, não podia se arriscar a perder sua recordista sequência. No segundo emprego passou o último dia sem comentar nada com ninguém e saiu como num dia qualquer, os companheiros sequer faziam ideia de que era seu último dia. Não foi ao enterro de sua mãe. Desde quando a ex e única namorada de toda vida terminou tudo, nunca mais falou com ela, mas muito menos se despediu, nunca a deixou ir e não se satisfaz com isso, ela ainda está com ele, ao menos é assim que seu pai o vê – seu pai é psicólogo, pensa que sabe tudo do filho – dizia que o garoto negava a perda, por isso jamais soube se despedir, ele via razão no que o pai dizia, não dizer adeus é a maneira que encontrou para não colocar um ponto final, então, literalmente, ele ainda está na primeira série, na segunda série, na terceira série, na quarta série, na quinta série, na sexta série, na sétima série, na oitava série, no primeiro, segundo e no terceiro ano do ensino médio, sua mãe ainda vive, ainda trabalha no primeiro emprego, ele ainda namora com ela, ainda trabalha no segundo emprego, ele ainda está vivo.

Despedida.

O clima ficou muito tenso, ele queria aproveitar a companhia dela, queria ficar com ela o tempo todo, queria amá-la, mas não sabia o que fazer. Foi uma grande surpresa vê-la no aeroporto o esperando, uma ótima surpresa, mas ele não esperava, nunca imaginaria. 
Ele temia, temia o que aconteceria daqui pra frente, quanto tempo ainda teriam, quando, e se, chegaria finalmente essa despedida. Queria aproveitá-la, amá-la.
"Prretinho, o que pensa?" Seu português melhorou muito, o sotaque continuava muito carregado, mas os últimos meses no Brasil lhe foram proveitosos, seu corpo delgado escureceu, adquiriu um tom de bronze, seu guarda-roupa mudou completamente do que estava habituada, shortinhos curtos, biquinis, coisas que nunca usaria na Rússia, ela mudou tanto, mas o sorriso dela continuava o mesmo, aquele que fez Martin se apaixonar. 
"Não é nada, querida, pensando em nós, nesses meses felizes." Martin adquiriu uma feição cansada, pesada. Sua namorada gostava de sair, ele não sabia dizer não, não sabia reclamar, ele queria dar o melhor para ela, queria amá-la, aproveitá-la. Ele estava cansado, mas estava tão feliz que não queria que acabasse nunca, mas sabia que logo teriam de tomar uma decisão, uma decisão séria e importante.

A família da Russa desaprovou sua decisão, reprovou a relação entre os dois, todo dia seus pais ligavam para que ela voltasse para casa, que deixasse de lado essa loucura de viver longe deles, num país desconhecido, que abandonasse esse amor, "ninguém vive só de amor" eles diziam. E ela se chateava, ele se chateava, eles se chateavam juntos e se cansavam, tentavam esquecer, ignorar, sabiam que deviam apenas aproveitar esse tempo juntos, deviam se amar enquanto podiam.

"A coisa tá russa", Carlos e Danilo diziam, apenas isso, ele mal os via, apenas quando conseguiam sair os quatro juntos, e ainda sim não desgrudava dela, torciam para que tomassem logo uma decisão, que se despedissem ou ficassem logo juntos por aqui, queriam que fossem felizes, mas queriam mais seu amigo.


Ele se encontrou novamente no Galeão, dessa vez chegou a tempo, e esse tempo passava tão rápido, não podia aproveitá-lo todo, esse tempo doía ao passar. Sua cabeça doía de tanto que chorava, chorava indiscriminadamente, sem a menor vergonha. 
"Eu não conseguirei viver distante, é verdade... mas não dá, não dá mais pra viver assim, é cansativo, é desumano, eu não estou conseguindo mais ser tão feliz, é limitante... essa foi a única saída, a decisão mais sensata... eu nem sei porque to me esclarecendo, isso não é uma despedida, eu prometo que não, não é uma despedida! Vamos nos ver sempre, claro, só ficará um pouco mais difícil... mais distante, mas meu coração estará sempre com vocês." Ele disse em meio a lágrimas, abraçando sua família, deu um beijo longo em todos e embarcou com a Russa para Moscou, para a vida dos dois.