terça-feira, 29 de março de 2011

No restaurante.

No restaurante,
tentando te impressionar a cada instante.

Pedindo tudo que há de caro:
comida chique e um vinho raro.

No restaurante,
agindo como um infante

Fingindo que minha vida é sempre assim,
que eu também não achei o escargô ruim.

No restaurante,
com uma pose galante.

Dando a entender que és uma qualquer,
e que eu não sempre te quis como minha mulher.

No restaurante,
tudo volta a como era antes.

O vinho cai.
De minha atitude reclama,
diz que já não me ama.
Você se vai.

No restaurante,
desperdiço minha última chance
de ser teu amante.

No restaurante.

Pedi uma bebida qualquer.
O garçom perguntou-me
Se queria com ou sem gelo.
Parei e pensei comigo mesmo
Que pouco importava.
Pois cá dentro tudo congelou.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Figurantes.

-Ah, sinto-me tão só. Preciso de alguém, verdadeiramente. Ok, tenho amigos, um bocado até. Tenho minha família, é bem verdade. Minha mãe me ama e coisa e tal, mas, por Deus, não é esse tipo de amor que preciso. 
Pensou o rapaz enquanto passava directo por uma garota que também estava pensativa.
-Poxa, todas essas pessoas amontoadas aqui nessa cidade e eu não encontro nenhuma que me faça feliz? De facto, não tenho par mesmo, ninguém nunca irá querer-me.
E prosseguiram sem saber que tinham tudo em comum, que poderiam protagonizar um amor inesquecível. Seguiram sendo apenas figurantes da vida um do outro.

Figurantes.

A cena estava montada. Todos em seus devidos lugares, esperando a acção. Luzes preparadas, câmeras em posição.

O mocinho irá correr atrás da donzeladeclarar-se-á antes dela partir. Ela ficará com ele e viverão felizes até o divórcio.

"Acção!" Grita o diretor.

O rapaz corre, tromba com a multidão, salta no bonde, pula no meio do caminho, desce até o porto, fura a faixa de segurança, avista sua amada a conversar com suas amigas subindo no navio e aclama: Victória... não vá, eu te amo.


"Corta, corta, corta. Queiroz, Queiroz... o seu personagem finalmente irá revelar o amor que cultiva desde sua infância. Ele precisa estar nervoso, precisa berrar seu amor, tirar o sentimento de seu peito. Mas você... Queiroz, você só está a falar palavras decoradas."


"Desculpe-me, Carlos, atuar é falar palavras decoradas. Estou a fazer meu trabalho."


"Mas você está falando palavras mal-decoradas, Queiroz. E isso não é seu trabalho, pelo contrário."


"Quando a peça é ruim, o papel é fraco, as falas são mal-decoradas, Carlos. E eu me recuso a continuar n'uma peça tão ruim como essa. É o pior papel que já desempenhei, eu vou embora!"


E o actor desilidudo retirou-se do palco.


- Faltou alguma coisa?
- Fala pra eles que eu era uma das amigas que a Victória tava conversando!
- Aé, a Lúcia era uma das amigas que a Victória tava conversando, e eu fui um dos caras que o Pedro trombou enquanto corria.
- Foi o melhor papel que nós já fiiiizemos! Eu vi o Queiroz tão de perto, até pegamos um autógrafo.


Contaram os figurantes ao chegar em casa pois peça não haveria mais.

terça-feira, 22 de março de 2011

Normal.

Meus poemas não são de amor,
meus versos não são rimados.

Minhas estrofes não tem padrão,
minha métrica é inexistente.
Minhas musas são amores,
são horrores.
São flôres, riachos.

Não recito meus poemas para ninguém,
não escrevo para ninguém ler,
nem eu.

Gosto da dor,
aprendo mais com ela,
que com a alegria.
Mas gosto da paz.
Não precisaria aprender nada,
se o mundo todo
fosse paz.

Eu sou como qualquer rapaz.

Normal.

Eu era um bom menino.
Um menino qualquer, aliás.
Era ingénuo, estudioso, bom garoto e educado,
Respeitoso, sempre muito respeitoso.
Era um garoto anormal, talvez até anormal demais.
Eu, normal e naturalmente, era um deslocado,
Visto que gostava de coisas alternativas, vestia-me diferente
E escrevia poesia.
Mas deixava estar, vivia minha vida com amigos diferentes como eu
E assim seguia minha vida, normalmente.

Eu não gostava de ser um deslocado
E, normalmente, tive minhas tentativas de enturmamento, admito.
Não nego que gostaria de ser alguém,
Alguém importante.
Gostaria que soubessem meu nome, adoraria ser notado...
Notado por um bom motivo, obviamente,
E não como "aquele garoto estranho".
Seria amável que gostassem de mim.

De uns tempos pra cá, mudei.
Virei um pouco mais normal - não que eu saiba o que ser
Normal significa - e fui mais aceito.
Tornei-me algo parecido com um descolado,
Critique se quiser,
Tinha muitos amigos, - mas não sei quantos eram verdadeiros - eu
Era aceito por outros - mas não por mim mesmo - e, a cada dia
Me tornava uma contradição ainda maior.

Hoje nem sei mais o que sou.
Se sou normal ou não, - mesmo continuando sem saber
O que normal significa - de que grupo faço parte, ou qualquer
Outra coisa.
Mas acho que estou melhor assim. Sem preocupações,
Sem tentar me adaptar, sendo só eu.
Fazendo tudo que é normal e natural,
Ao menos para mim,
Mas se eu não agradasse a mim mesmo,
A quem agradaria?

sexta-feira, 18 de março de 2011

A valsa.

Contigo eu até valsaria, certo que eu o faria. É claro que nunca fui um dançarino, não, de modo algum. Tenho dois pés esquerdos e isso não é segredo nenhum. Mas contigo eu dançaria, certo que não te negaria.
Dancemos então, minha querida, dancemos por toda nossa vida. Eu, tolo e sem jeito. Tu, a bailar de modo perfeito. Mas dancemos, dancemos e os deixemos. Deixemos o mundo, deixemos a todos. Por apenas um segundo, sejamos só nós dois.
Tu em meus braços. Eu sou teu. Sigo teus passos, sinto-me no céu. O mundo gira, (ou somos nós que giramos?) e és minha. Nós continuamos, e a esse ponto eu sequer sei se há mundo a nossa volta. Mas tens de ir e o meu corpo do teu se solta.
Contigo eu até valsaria. Por ti tudo eu faria.

A valsa.

O sol estava se apagando, as janelas eram invadidas por uma luz alaranjada, ele a olhava, ela disfarçava. Ele a tomou nos braços, e o mundo de repente parecia um sonho, fruto de sua imaginação. A música começou. Ele a puxou mais para perto e a conduziu. Seus passos eram ritmados, seus corpos colados. Ele a carregava, ela praticamente não precisava fazer nada, era como se somente um estivesse dançando, como se fossem um. A música continuava, cada vez mais devagar. O sol se escondia, cada vez mais crepuscular. A noite já começava a aparecer, o céu começava a se enfeitar de estrelas. A única luz agora vinha da lua altaneira, e ela assistia ao casal. Os dois valsavam. ele não podia estar mais feliz por poder dançar n'uma bela noite como essa. Não havia mais ninguém lá, todos partiram, somente os dois restavam. A luz lunar brilhava de acordo com a música, nunca os perdendo de vista. A noite foi aumentando, a música agora tinha o ritmo do bater de seus corações. Ele sentia como se dançasse nas nuvens, sentia como nunca que só podia estar sonhando. Até que alguém chamou seu nome. Mas ele não ouviu, estava muito distante, não podia acabar com esse momento. - Carlos! - A voz insistiu. Carlos saiu então de sua transe, a música parou, o salão mudou. - Carlos! Quantas vezes eu vou falar pra você parar com sua dancinha, largar de ficar enrolando e terminar logo de varrer tudo por aqui?! Ele colocou sua parceira no chão e continuou a varrer. Mas por uns bons minutos ele foi feliz.

terça-feira, 15 de março de 2011

Mentiras

"Eu te amo, não te trocaria por ninguém.
Estamos bem, eu te amo.
É pra sempre,
sem você não sigo em frente.
Eu não vivo sem você,
e nunca irei te esquecer."
"Eu preciso pensar bem.
Estou confusa.
Eu quero um tempo.
O problema sou eu,
de verdade."
"Eu ainda quero sua amizade."

Mentiras.

Tolo, eis o que sou.
Acreditei que nós daríamos certo.
Acreditei que ela me amava.

Ela mentiu, mentiu como todas as outras.
De garotas desastradas a floris,
De garotas ilusionais a musicistas.
Todas elas mentiram.
Todas foram mentiras.

É claro, de certo modo a culpa também é minha
Não devia ter acreditado em pessoa tão falsa.
Não devia ter ouvido tal declaração.
Tolo, eis o que sou.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Na estação.

Na estação ele mantinha-se inerte, sempre em seu canto, apenas assistindo e contentando-se com o espectáculo da vida. Via centenas e mais centenas de pessoas a passar, de um lado para o outro, sempre a ignorá-lo.
Já ele não as ignorava, ele sempre prestava atenção em todas, uma por uma. Ele sempre pensava naquelas pessoas apressadas, de onde vinham e para onde iam, se alguém os esperava em seu destino. Ele pensava ainda mais naquelas pessoas que não passavam correndo, naquelas que chegavam e ficavam lá, esperando alguém, perguntava-se por quem eles esperariam, e por quanto tempo esperariam. Achava estranho quando esperavam demais por alguém que não chegava, mas, ironicamente, ele não estava em condições para medir tal estranheza, visto que esperava a mais tempo por uma mudança em sua vida, mudança que assim como aquelas pessoas, nunca chegava.
Na estação ele mantinha-se, estacionário. Passavam os trens, mas ele não queria tomá-los, ele não queria deixar aquilo para trás. Passavam as estações, mas ele não mudava, ele não queria se deixar para trás.

Na estação.

Lá estava ele na estação. Esperando o trem chegar como fazia diariamente. Não conseguia se concentrar, não aguentava esperar. Na estação ele andava p'ra lá e p'ra cá. Desconcertado, confuso, com pressa. Pensando em seus problemas, pensando em seus dilemas. Parou por um segundo para olhar ao redor e viu que todos estavam lá. Todas as pessoas que via dia após dia naquela estação, sempre com os mesmos rostos, com os mesmos semblantes, Gente que ele reconhecia, mas não conhecia. Não sabia seus nomes, não fazia nem ideia de como eram suas vozes. Mas sempre os via, dia após dia. Nesse dia em específico, não faltou ninguém.
Não faltou ninguém, todos estavam lá para presenciar seu fracasso, pensava ele. Todos, com suas vidas perfeitas, com seus sorrisos, suas palavras simpáticas. Felizes mesmo tendo de acordar de madrugada para ir trabalhar. Animados mesmo tendo dormido cerca de cinco horas. Somente ele não estava feliz, somente ele estava desanimado. Somente ele era humano.
A Garota que Veste Branco estava lá, como o nome indica, é uma garota que sempre veste branco. Hoje ela estava com um vestido todo branco, um cinto preto e sua bolsa creme habitual. Ela estava linda, como sempre. E sua presença o incomodava, porque eles não se viam sempre, porém justo hoje ela apareceu, balançando sua cabeça no ritmo da música, feliz e cantarolando. Ele não sabia, entretanto, que ela estava ouvindo a música mais agitada e alta que tinha, para permanecer acordada. Pois na noite anterior discutira - de novo - com seu namorado e passara a noite em claro pensando no seu relacionamento e nos problemas que teria de resolver no trabalho. Mas ela estava lá, de pé, com um falso sorriso e a cabeça rockeando, à base de música frenética e café amargo.
O Carinha do Reggae também estava lá. E, bom, por não saber o nome das pessoas, seus "nomes de mentira" eram bem óbvios. O Carinha do Reggae era um rapaz que ele já via há um bom tempo. Hoje em dia ele já não usava dreads como quando ganhou o apelido, agora usava um cabelo curto para combinar com sua roupa social. Mas ainda sim ele usava aquele semblante despreocupado, aquele meio-sorriso bobo. Aquela cara de quem não tem problemas e não consegue compreender como os outros possam tê-los. É claro que por trás daquele ar de segurança existia um jovem cheio de medos e preocupações, e o grande arrependimento de ir àquele trabalho sufocante somente para agradar seus pais. Ele só queria ficar de boa com seus amigos, mas essa não era uma opção válida, e agora ele é um cara infeliz e frustrado que odeia seu trabalho e sua vida, só o que lhe resta é a máscara de alegria o apelido do reggae.
Também estava o Moleque e Sua Mãe. Era um guri de uns nove anos que sempre estava com sua mãe. Eles deviam ser uma família perfeita, porque sempre estavam felizes, a mãe nunca brigava com o menino e ele sempre conversava e ria com ela. Na verdade eles estavam sempre daquele jeito p'ra fingir que sua vida estava boa e eles não eram violentados pelo pai. E eles fingiam bem.
Estava o Bigode, um homem sério que tinha um bigode sério e parecia ter um trabalho sério, tendo em vista suas sérias roupas e conversas sérias ao celular. Um cara que parecia ser bem sucedido. E sério. A Silvia, uma mulher feliz e sorridente que realmente chamava Silvia, porque ele ouvira um dia alguém a chamando assim, e depois ela conversou com a amiga e sorriu bastante. E o Casal Super Romântico, que era um casal romântico demais. O Bigode, na verdade, estava prestes a falir, faz um tempo já, por isso tinha de ser tão sério. A Silvia era realmente sorridente, mas sorria para não mostrar como tinha medo de ficar sozinha e solitária. E o Casal Super Romântico, bom, eram um casal bem romântico mesmo, mas ela o traía.
Também estava Vitória, a quem ele menos queria que estivesse lá. Vitória não era o nome dela, provavelmente, mas ele imaginava que ela tinha cara de Vitória. Ela era tão diferente, tão única, tão humana. Ele julgava que ela era quem mais se parecia com ela. Sem contar que ela era linda, com seu cabelo bicolor e seus piercings. Sempre com suas calças furadas e camisas xadrez, chamava a atenção de todos, inclusive a dele, mas de uma forma diferente. Ele adorava a Vitória. Ela era tão segura e parecia ser tão divertida. Mal sabia ele que ela só era assim p'ra tentar chamar a atenção dos pais que nunca ligavam p'ra ela e preferiam ficar discutindo entre eles ou dar atenção a seus dois irmãos. Ela, na verdade, só queria alguém p'ra lhe dar atenção.
Mas nem Vitória, Silvia ou Bigode sofriam tanto quanto ele, não senhor. Eles estavam sempre felizes, ou sorrindo, ou calmos. Mas nunca pareciam estar tristes e derrotados como ele. Então é claro que eles não estavam sofrendo como ele, é incabível isso. Como qualquer um deles poderia estar sofrendo mais que um rapaz que levou um fora de uma garota que estava um pouco a fim?
Ninguém naquela estação, com certeza.

terça-feira, 1 de março de 2011

O filme.

Eu já vi esse filme antes.
Todas essa cenas.
Todos esses problemas.

Eu já vi esse filme antes.
Todo esse romance.
Todo esse drama.

Eu já vi esse filme antes.
E hoje posso ver como uma comédia.
Hoje eu não chorarei no final.

Mas não foi assim antes.

O filme.

Todos conversavam
Ele aguardava.

O filme começou
O rapaz se alegrou.

Os actores pouco importavam
Pela alegria, o rapaz sorria.

Ele amava os filmes
E todo aquele ficcional universo.

No cinema ele sempre podia ser feliz
Deixar de lado sua vida, ser o que sempre quis.

No cinema ele também podia ser triste, mas não o queria,
Ele podia ser heróico, ele podia ser todos os sonhos.

Os créditos finais subiram
O rapaz lamentou.

O filme acabou.
Ele, à sua vida voltou.