quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O ônibus.

Estava naquele ônibus há um bom tempo, em breve chegaria ao seu destino. Em todo esse tempo havia visto toda sorte de pessoa, jovens, altos, magros, homens, velhos, mulheres, engravatados, gordos, baixos. Mas agora, tão próximo do ponto final, praticamente todos já o haviam abandonado, os amigos desceram há alguns pontos, a namorada descera no anterior, boa parte da família descia naquele mesmo, sobrava-lhe apenas o motorista, o cobrador e mais umas duas pessoas que nem mesmo conhecia, seguiam o mesmo caminho apenas por acaso. Quanto mais se aproximava do final, mais sentia falta daqueles que lhe haviam abandonado, é verdade que no começo queria logo chegar ao fim, sentia-se cansado dos outros, mas agora estava só, queria voltar atrás, queria ter aqueles que tanto esperava que se fossem apenas mais uma vez. Enfurecera-se com eles tantas vezes, mas agora estava calmo, agora os queria de volta e os queria bem.
Chegou ao ponto final, sequer reparou que a hora havia chegado. O motorista pediu que descesse, olhou para o motorista, fez uma leve reverência com a cabeça e desceu, mesmo não querendo, era apenas o que devia fazer, já era tarde e ninguém quereria sair com ele, todos preocupavam-se com outras coisas. Desceu  do ônibus e olhou uma última vez enquanto o motorista mudava o destino de Jd. Estige para o nome do terminal principal da cidade, pensou mais uma vez que queria ir para o terminal. Mas era chegada a sua hora de ir para casa, há dez horas estava com todos, há dez horas era tão feliz, há dez horas se sentia tão vivo.

O ônibus.

Sentado no fundo do ônibus ele tentava se distrair, fugir daquela ansiedade toda, evitar os pensamentos as falsas previsões. Sabia que de nada adiantaria tentar imaginar como seria quando a visse, nunca era como ele imaginava, nada saía como o planejado, e ainda sim se pegava decorando frases, pensando em respostas, possibilidades. Olhava pela janela para a paisagem cinza da cidade, queria pensar em qualquer coisa que não o encontro, mas era tudo repetido, já havia decorado essas ruas, e todo detalhe era desculpa para pensar no logo mais, no inexorável momento de encará-la.
Até que entrou um homem com um grande buquê de flôres, suado, nervoso, trêmulo. "Mais ansioso que eu", pensou, o homem perguntou algo para o cobrador antes de pagar a passagem, não devia pegar esse ônibus sempre. Sentou-se em qualquer assento e ficou lá, batendo o pé, falando consigo mesmo, parando e respirando fundo, fazendo tudo outra vez. "Mais ansioso que eu".
Viu uma garota atrás do homem das flôres, ela olhava a cada 5 segundos para o relógio, depois para o celular, depois para a rua, às vezes respondia alguma mensagem que havia recebido e olhava para o relógio, para a rua, para o celular. Estava atrasada, muito atrasada, quando recebia uma mensagem, seu rosto se contorcia, era alguém muito importante, uma reunião, uma última chance. Não podia perdê-la e estava perdendo. Olhava para a rua, para o relógio.
Ele também olhou para o relógio, apesar de saber que estava com tempo de sobra, mas pensar em algo que não poderia dar errado fez com que pensasse no encontro, em todas as formas de dar errado, em como ele ficaria depois se tudo desse errado, como viver em meio a tantos erros. Tentava se distrair, parar de pensar e deixar para o acaso.
Um garoto vestido com uma roupa imunda lhe entregou algumas balas e uma cartinha que explicava que ele era surdo e mudo, sua família era pobre, tinha muitos irmãos e pedia desculpas pela intromissão da viagem. Pegou a bala novamente e se sentou no canto do ônibus, cansado, sem ter conseguido vender uma bala sequer, deu sinal para descer no próximo ponto e tentar novamente.
Logo à sua frente havia um casal de namorados, eles não pararam de se beijar desde que ele entrou no ônibus, imaginava que não se viam há muito tempo, que estavam juntos há pouco, ou simplesmente era uma data especial. Não sabia, não sabia se algo assim realmente durava muito, não sabia se o que ele tinha duraria muito, não sabia se chegariam a ser assim. Sabia que estava pensando de novo nisso.
Pensou em que todos os outros de lá estavam pensando afinal, em todas as vidas que estavam lá naquele ônibus, no futuro de cada um, no presente, os problemas, as ansiedades. Será que algo importava afinal? Se a vida dele importava, a deles importava igualmente, se tudo é importante, nada importava. Ele se confundia com os próprios pensamentos, na tentativa vã de não pensar tanto.
O motorista do ônibus olhava fixamente para a rua, como deveria ser. Ele pensou que quase ninguém pensa no motorista do ônibus nessas horas, sem saber que ele provavelmente é a pessoa mais importante no momento. O motorista do ônibus de repente deu um salto, girou o volante, freou, acelerou, tentou fazer de tudo.
Um carro derrapara na sua frente, batendo em outros dois, o ônibus na tentativa de evitar um acidente, girou, rodou, capotou, se amassou todo, outros carros bateram nele, ocasionando um tremendo engavetamento. Nem o motorista, nem o pedinte, nem ninguém - sem importar sua importância - de dentro do ônibus escapou.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Tudo passa.

Lembra-se de todos os sonhos,
todos planos que eu fazia
logo quando nos conhecemos?
Pois é, passaram.
Sim, tudo que eu julgava ser a razão
o guia 
o norte
passado.

E os medos, as angustias
aquelas que te confidencei,
coisa boba, coisa velha
e os amigos, 
que queriam te conhecer,
verdadeiros amigos, amigos para sempre
param sempre.
Passam também.

As pontes que nos levariam até lá,
a água passou por baixo,
nós, por cima.

Tudo passou,
os sorrisos murcharam,
as flores morreram, 
as estrelas apagaram,
o mundo não acabou.
Tudo passa.

Mas você ainda está aqui comigo,
e, no meu peito cansado,
meu velho coração ainda bate por ti.

Tudo passa.

Encontrei o meu amor a chorar.
Cabisbaixa, a pobrezinha mal conseguia falar,
Perguntei-lhe que passava, por que chorava.
Mas a minha querida estava tão mal
Que nem mesmo podia responder.

Abracei-a, ela acalmou-se aos poucos.
Perguntei-lhe novamente por que chorava
E ela caiu em prantos novamente.

Tentei acalmá-la novamente, dessa vez com palavras,
Disse-lhe que, seja lá o que lhe afligia, logo sumiria.
"Tudo passa, querida, não chores."
Após mais algumas lágrimas e suspiros, respondeu-me.
"Meu amor, eu sei que tudo passa, é por isso que choro,
Passam as dores, passa o sofrimento, passam dias e noites,
Tudo isso que conhecemos um dia acabará
E é isso que me preocupa,
Passará você, passará nosso amor,
Apenas não quero que tudo passe."
Calei-me, ela ao menos parou de chorar.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Flocos de neve.

Flocos de neve. Bonitos, adoráveis, amáveis, lindos, fabulosos, formidáveis. Dizem que não existem dois iguais, mas assim é com todos nós, únicos, incomparáveis, singulares. Flocos de neve são pequenos, mas juntos fazem tanto, salvam crianças que não haviam feito o dever de casa, permitem que elas brinquem, dão mais um tempinho debaixo das cobertas para os namorados, param cidades. Mas logo se vão. 
Os flocos são como o amor. Lindos no começo, tocam corações, mas com o tempo a sua presença pode tornar-se incômoda, a criança precisa ir para a escola, já incomoda os pais, os namorados cansaram-se um do outro, precisam de um tempo, a cidade deve andar. 
Os flocos, como o amor, são lindos de se observar, mas não se pode segurá-los, incomodam de tão gelados e por fim derretem em nossas mãos. Os flocos, a neve, são como o amor. Lindos, gelados e nem todos têm o prazer de conhecer.

Flocos de neve.

Eram jovens especiais e únicos à sua maneira. Sem par para sobreviverem a esse mundo, realmente únicos e especiais.
Cada um deles via o mundo de uma maneira diferente, eles eram diferentes deles mesmo, apesar de serem tão iguais.
De uma maneira mais organizada, com suas regras, formas, sílabas, ou livres, brancos, ousados, tentavam sempre ser únicos, tentavam sempre ser especiais, tentavam se superar e fazer das tripas coração, do coração razão.
Subvertiam a existência a resistência, faziam tudo de maneira única, com um toque pessoal, cada detalhe de suas vidas eram singulares, por mais que fossem quase iguais, no final, mudavam tudo.
Cada fragmento, cada canto, cada detalhe, era único e especial como um floco de neve.
Como um floco de neve, ao longe, eram todos iguais.