sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Casamata.

Dia setenta e três.


Lá fora a guerra explode. Pessoas morrem, heróis nascem, traidores surgem. Mas eu estou aqui, nessa casamata que, depois desses meses já tornou-se muito mais casa.
Cá dentro tornou-se tão melancólico. Sou só eu e esse monte de suprimentos. A comida dará facilmente até o fim da guerra, mas bem que eu gostaria que ela se fosse um pouco mais rápido se eu somente tivesse uma companhia.


Dia oitenta e cinco.


Certo, não há mais salvação. Resta-me apenas ficar aqui e esperar que tudo passe, mas eu preciso de alguém. Sequer tenho acesso às notícias nesse estado em que me encontro. Será que ainda há noticiário lá fora?


Dia noventa.


Completaram-se três meses da minha vida na casamata. Resolvi pensar em tudo isso. Eu estava errado? Eu deveria ter ficado?
Ela deve estar lá fora agora. Seu nome é Fernanda. Mede 1,57m e é uma moça magra, não passando dos 44 quilos, creio eu. Apesar de franzina, Fernanda era uma garota forte. Não fisicamente, mas moralmente. Fazíamos parte de um grupo de estudantes semirrevolucionários. Ela era a líder, naturalmente. Com seus cabelos cortados à altura do pescoço era uma garota imponente, todos respeitavam aquela moça e acatavam todas suas ordens.
De certo modo, fomos nós que começamos a guerra. Éramos uma ameaça iminente à economia do país com nossos ideais libertários e igualitários. Foi por isso que o governo inventou esses atritos e fez com que o povo destruísse a si mesmo nessa falsa batalha entre nós, os "rebeldes", e grande parte da população, os "conservadores".


Dia noventa e um.


Relendo o trecho que escrevi ontem, reparei que comecei a falar sobre como tudo isso na casamata começou e acabei falando do início da guerra.
Já passava da primeira semana de conflitos. Estávamos resistindo bravamente, mas era difícil. Fernanda e eu havíamos nos separado dos demais. Em meio a toda a destruição encontramos essa casamata. Eu disse a ela que deveríamos nos refugiar na casamata, que lá estaríamos seguros. Fernanda disse-me que o povo vem em primeiro lugar. Nesse momento eu acabei cometendo o erro. Em um acesso de raiva eu resolvi descer e deixá-la ali, não podia suportar o fato de minha própria namorada me colocar em segundo plano.
Cerca de quinze minutos depois eu resolvi subir. Havia sido idiota, eu sei, ia subir e lhe pedir desculpas. O bem maior vem sempre em primeiro lugar. Ao chegar lá em cima não a avistei. Gritei por seu nome, mas Fernanda não estava mais lá. E foi assim que tudo começou.


Dia noventa e quatro.


Ao avivar essas memórias de Fernanda, tomei uma decisão. Voltarei lá para fora, batalharei junto de meus amigos. De que me importa se eu morrer? O mais importante é antes de tudo viver.

Casamata.

Não fazia mais ideia de quanto tempo estávamos no búnquer, dias, semanas,horas. Eu não aguento mais, eu vou sair, não há ninguém lá fora, por que precisamos ficar aqui, Não seja idiota, smith, lembre-se do que o sargento disse, nós não podemos nos expor, devemos esperar, eu respondi a fim de acalmá-lo, Esperar pelo quê, a guerra acabar, pelo amor de Deus, você sabe que não há ninguém lá fora, que estamos aqui sómente para não atrapalharmos, ele exclamava inquieto, Todos temos importância, até ficar nessa Casamata tem seu valor, não queira bancar o herói, O herói é aquele que não conseguiu fugir, Por isso não somos os heróis, não fugiremos, smith, ele parou por alguns segundos, como se saboreasse o que eu disse, ele olhou para o infinito e depois para os meus olhos, Você está certo, disse levantando-se, eu não vou fugir, sorri satisfeito por ter feito com que mudasse de idéia. De repente ele se levantou, correu, gritou, tentei pará-lo, ele não me ouviu, por um segundo eu pensei que estava certo, era inútil ficar aguardando uma acção do inimigo, não havia ninguém lá, o primeiro tiro cortou o ar e rasgou seu braço, o segundo perfurou sua perna, os outros incontáveis se alojaram no seu torso, em sua cabeça, ele caiu. Eu tive medo, eu continuei escondido, não podia fazer mais nada, ele estava mortinho da Silva, imagino que eles também estavam a esperar por muito tempo, tinham sede, um se levantou e foi adiante, o outro atrás, mais que um compromisso, mais que uma questão sobrevivência, em segundos dei cabo dos dois, eles mataram meu amigo, meu amigo se matou, e até segunda ordem eu continuarei nessa Casamata.