sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A decepção do pajem altruísta.

O sol estava no céu. Pássaros passavam sobre o reinado de Oh. Haviam colinas até onde se podia ver, eram campos verdejantes contrastados por produtivas plantações dos camponeses e delicados jardins nos quais eram plantadas flores destinadas à nobreza de Oh.
Frente à paisagem o castelo não fazia feio. Possuia uma imponente e, ao mesmo tempo, arquitetura de aparência frágil, típico de uma história de conto de fadas que veríamos muito facilmente num livro infantil. Por dentro não deixava a desejar. Possuía diversos quartos, salas de jantar, jogos e tudo o mais que você possa imaginar. Destacando-se o salão principal. Onde ocorriam todas as festas da corte, encontros da nobreza e todas as condecorações do reino.
Já a nossa história não começa no castelo, tampouco na nobreza. O nosso herói é um garoto simples, nascido em meio aos camponeses. O seu nome eu não me lembro muito bem, mas tenho certeza que rima com Sim. Com Sim também rimavam suas ações, era um garoto correto e bastante otimista. Sonhava em ser um dia da família real para ajudar o reino e seus amigos camponeses, mas todos lhe diziam que isso era impossível pois apenas parentes do Rei podiam fazer parte dela. Isso não era problema para ele. O plebeu era imensamente apaixonado por princesas e, para ele, casar-se com uma não era nenhum sacrifício.
Passaram-se vários anos, o outrora pequeno garoto já é hoje um rapagão de aproximadamente vinte anos. Durante esses anos ele se tornou respeitado no vilarejo em que nascera e fez muitos amigos. Dentre eles se destacava um homem com uma cara que lembrava a de um cachorro, era mais velho e mais sábio que o nosso amigo plebeu.
Eis então que nosso herói conseguiu viver em meio à nobreza. Se pensa que ele acabou descobrindo que era o filho perdido do rei ou acabou por casar-se com a adorável princesa, bem, você errou. Ele conseguiu uma vaga como pajem do diabrete do príncipezinho. Ele então ficou excessivamente feliz. Achou que com isso poderia conhecer a vida da realeza e até, quem sabe, virar conselheiro ou algo assim do Rei.
Então ele vivia no castelo, sempre com os membros da corte. Mas algo lhe parecia errado, a Rainha só queria saber de peças de ouro, colares e vaidade. A Princesa só queria ter casos com duques, barões e até baronesas, mas nunca pensava em um bom marido para ser um possível sucessor ao trono de Oh. O Príncipe só sabia bater em animais e irritar os príncipes de reinos vizinhos, nada altruísta como deveria ser o príncipe que Oh merecia. Já o Rei, esse era um caso a parte, só gastava com coisas inúteis e mandava atacar vilarejos pacíficos, apenas pela diversão.
Foi aí que nosso amigo pajem descobriu que nem tudo é perfeito, e foi aí que ele teve sua maior decepção. Ele percebeu que, infelizmente, levaria um bom tempos para Oh ter governantes a altura de seu batalhador e caloroso povo.

A decepção do pajem altruísta.

Era um belo jovem, de feição generosa e pacífica, enfeitado com um sorriso inocente e recatado, de estatura média e cabelos espiralados cor-de-palha. Estava em seu último ano de serventia para a família dos Liverotto e discutia com o Sr. e Sra. Liverotto sobre seu futuro.
- Paolo, tu deves graduar-te e seguir em frente. O trabalho que executara sempre fora com carinho e dedicação, e temos certeza que serás muito feliz, tu mereces.
-Mas, Sr. Liverotto, eu preciso cuidar de Alexandre, ele ainda precisa de minha ajuda, eu não posso abandoná-lo agora!
-Basta, Paolo. Onde já se viu? Prolongar seus serviços... Tu e Alexandre poderão continuar se falando, mas não precisas mais servir-nos. Agora vá.
Paolo, com seus olhos principiando a se afogar, correra para seu quarto e trancou-se.
-É tão bom o jovem Paolo, bom demais... - disse a Sra. Liverotto.
-Sim, é uma pena que não perceba como o mundo é cruel, e toda essa generosidade só trará frustrações em sua vida, se não for bem dosada.
-Concordo, mas agora vamos que o jantar já está sendo servido.
-Vamos.

Algumas semanas depois, Alexandre encontra Paolo, por acaso.
-Alexandre, amo Alexandre! Há quanto tempo! Como estás? Por que não damos uma volta, sim?
-Paolo, já dissemos, não sou mais teu amo, não és mais meu pajem, somos apenas amigos iguais.
-Perdoe-me, amo Ale-digo, Alexandre, acho que acostumei-me, mas diga-me, o que fazes aqui?
-Ah, Paolo só vim entregar uma carta para o D. Tomasso Strozzi. Não digas que te contei, mas as coisas ficaram um pouco bagunçadas sem ti lá em casa...
-Alexandre, amo Alexandre! Queres que eu volte? Digas que sim que eu volto. Não, não recuses, então, sua carta, deixe-me entregá-la. Obrigado amo Alexandre, vou e já volto. Por favor, amo Alexandre, sinta-te livre para ir à minha casa, estamos tendo um banquete especial, vá lá que logo vou atrás. Quero apresentar-te à Giulianna, verás como ela é linda. Tem os olhos de céu e cabelos de sol. Verás como é um anjo entre nós mortais. Como estou apaixonado, amo Alexandre, mas agora tenho de entregar essa carta, adianta-te lá, conhece Giulanna que já vou.

Chegando à casa de Paolo, Alexandre vê que não era a paixão que abrumara a visão do jovem pajem, tua amante era realmente linda. Seu rosto parecia ter sido esculpido em marfim. Teus olhos realmente eram tão cerúleos que só de vê-los, ficávamos em paz. Entretanto, Paolo não mencionara outros detalhes de Giulianna, provavelmente porque não importava-se, ao contrário de Alexandre, que achava essêncial. A beleza de Giulianna não limitava-se somente à sua face, e seu corpo parecia moldado, de tão belas e perfeitas que suas curvas eram. Alexandre tinha de tê-la, precisava tê-la. E não adiaria essa guerra, travá-la-ia agora. Ao ataque Alexandre foi.

Passado algum tempo, sem muita relutância, Giulianna já estava em seus braços, na realidade, Alexandre achara muito fácil, pouco divertido. Contudo, o proibido, o adúltero, faziam-no enlouquecer. Ele queria mais. E ela também, toda a santidade que ela vestia foi despida. A força, com prazer, por Alexandre. Os dois traíram a mesma pessoa, os dois pecaram. Os dois concordaram:
-Pobre Paolo, sua generosidade será tua ruína. É tua ruína.
Em sua própria casa, sob seu próprio teto, em sua própria cama. Os dois mostravam a ele como ser bom nunca é bom. A porta se abriu. Do outro lado, um pálido Paolo surgia. Sua boca escancarou-se, mas nada conseguia dizer. Uma cólera apossou-se dele. Toda a ira que evitara em sua vida. Todos os sentimentos ruins que negara e trancara. Tudo subiu-lhe à cabeça. Sempre o fizeram de tonto, de tolo. Sempre aproveitaram-se de seu altruísmo. Sempre disseram que tamanha generosidade era burrice. Mas ele sempre acreditou que se fosse bom, a vida seria boa com ele. Porém, a vida estava se desfazendo à sua frente, fora traído em dobro. Por duas das pessoas que ele mais estimava, com quem mais fora bom. Não mais! Nunca mais o fariam de bobo! Embebido em loucura, pegara um punhal e erguera como se fosse a lua no céu. Era a última bela noite que os dois veriam.
-Eu não aguento mais tanta desonra, não aguento mais ser o bonzinho da história!
Giulianna chorava de medo, Alexandre sorria de excitação.
-Então, venhas, mate-me! Quero ver do que és feito, Paolo!
Cortando o vento, Paolo atacou. O sangue jorrou, sua mão banhou-se de escarlate, o chão criou uma poça de lágrimas vermelhas. De joelhos, o jovem pajem chorava. Acabara de cometer um pecado mortal. Acabar de acabar com uma vida com suas próprias mãos. A culpa doía, doía muito mais que o punhal que estava cravado em teu próprio peito.
-Não aguento mais tanta desonra, não aguento mais ser o bonzinho da história, não aguento mais essa vida sofrida...
E caiu.