domingo, 28 de abril de 2013

Lar

Me aninhei no teu abraço,
me escondi no teu abraço,
me afoguei no teu abraço.
No teu abraço,
eu chorei.

Não era medo, 
toda minha vida tive medo.
Era coragem, braveza.
É isso que sinto ao teu lado,
sinto vida, vontade de ser melhor.
De brigar por tudo
brigar por ti.

Os ônibus passavam por nós,
os carros, o tempo
a vida
que podia me levar, levar pra longe.
Pra casa.

Não era medo, 
não era angústia.
Como fiquei feliz.
Fiquei, feliz.

Eu te perguntei qualquer coisa,
esperando qualquer resposta.
Pra poder sorrir,
e lhe dizer.
"Então eu vou ficar."

E se por acaso passou por tua cabeça
se me arrependeria por não ir pra casa,
eu lhe respondo, meu bem:

Estou contigo,
estou feliz.
Não estou em casa,
mas estou no lar.

Lar.

Nascido e criado na cidade antropófaga
Perdido no mundo por buscar um lar
Na cidade sem identidade,
Na terra sem cara.

Roubamos deles tudo que queremos,
Comemos, digerimos e tentamos ter uma casa
Lutamos, perdemos, tentemos ter uma causa
Mas somos apenas perdidos

Não tenho lar,
Porque devo ser o mesmo que o rapaz da minha rua?
Não sou o mesmo que o rapaz da minha rua. 
A única coisa que temos em comum é a rua
E a rua eu logo abandono.

Na verdade, sou o mesmo que a moça de além-mar
Então porque não sou o mesmo que a moça de além-mar?
Se sou o mesmo que a minha querida moça?
Sim, tenho lar.

sábado, 20 de abril de 2013

A Chuva.

Vivia com a chuva como um adolescente que se envergonha dos pais. Cansara-se daquele lugar maldito já havia um bom tempo, não havia um dia em que não caísse pelo menos uma só gota do céu. E mesmo enquanto não chovia a vida não ficava muito melhor, as nuvens carregadas faziam questão de ficar por ali mesmo e não davam chance alguma para o Sol, era impossível manter-se bem humorado naquele lugar.
Se fazia planos, a chuva os desmanchava, se pensava em dias melhores, o céu fechava. Lugar maldito, lugar que não sabia ser feliz, todos só trabalhavam e passavam por aqui e ali tão fechados em seus sobretudos, protegendo-se com seus guarda-chuvas e guarda-relações. As pessoas de lá já sabiam muito bem como lidar, mas não ela, ela era feliz. Saco de lugar que só tem gente chata, gente que só quer trabalhar e ficar séria. Ela era melhor do que isso, evidentemente, tinha amigos de tantos lugares, tinha gostos tão fenomenais, ela era, realmente, fenomenal e espetacular e fora do comum e extraordinária. Gostava de tanta música boa, via filmes tão profundos, lia livros tão tocantes. Sim, os livros, tinha um excelente gosto para livros, já havia lido todos os clássicos, conhecia tantos autores contemporâneos que se destacavam também. Passava, por esse motivo, grande parte de sua vida em bibliotecas, o que era bom pois assim fugia da chuva e do mundo chuvoso, mergulhando no mundo do fantástico, fabuloso e inacreditável. Foi aí que aconteceu o momento grande da sua pequena vida na gigante cidade, encontrando um livro de um poeta desconhecido, leu.

Chove lá fora.
Chove e a chuva sou eu.
Chovo tudo de errado que há em mim,
Chovo tudo de certo que há em mim.
Chovendo eu sigo toda a vida.


Chovo mas não importo.

Chovo não como outros chovem.
Chovem tempestuosos.
Chovem tocantes.
Chovem comoventes.


Chovo só eu.

Foi então que, como se um relâmpago lhe atingisse, entendeu a chuva. Entendeu a chuva e chorou.

A Chuva.

Chovia no dia que nos conhecemos, a chuva era fraca, como a esperança que eu tinha de darmos certo, uma simples garoa. Lembro-me muito pouco dela, lembro-me muito pouco daquela noite, deixei toda minha memória reservada para teu toque. Mas sei que chovia.
Sempre está chovendo. Por aqui, sempre está chovendo.
E lembro de quando fugimos da chuva, como quem foge do inesperado, com medo de se molhar, com medo de correr o risco. Admito que a chuva era forte, muito forte, como o que eu já sentia por ti. E, já protegidos, meu coração batia forte, e um sentimento inundava meu coração, como a chuva que inunda cidades, violenta e abruptamente.

Chovia, chovia aqui dentro. Ininterruptamente. Até que teu sorriso a interrompeu .
Do teu sorriso abriu um dia belo, um dia quente de verão. Tu abriu o sorriso e o céu se abriu, para não ficar pra trás.

Quando fui atrás de ti, o céu aberto, o sorriso escancarado. O Sol no céu, tu em mim. Choveu, quem diria, choveu. E eu não fui precavido, fui apenas com a cara, a coragem e o amor. E a chuva.
Sem guarda chuva, sem medo. Banhei-me, purifiquei-me. As gotas d'água encontravam minha face sorridente, batiam, se espalhavam. Eu, ensopado, finalmente entendi que não adiantava correr, que me proteger não me protegia de nada. 
Tentar fugir é inútil e os respingos serão amargos.
Abri o sorriso, abri os braços, lhe dei um abraço e ganhei um beijo.
E finalmente entendi a magia do beijo na chuva.
Quem está na chuva, é para amar.

sábado, 13 de abril de 2013

Motivos para se amar uma garota.

Um sorriso aberto;
um tímido riso de canto. 

Um abraço longo e apertado;
uma mão que não quer se soltar. 

Todo motivo é uma razão. 

Um ciúme bobo;
um pedido de desculpas. 

Uma canção de amor;
um verso pré-fabricado. 

Uma foto juntos, pendurada na parede;
uma foto escondida na carteira. 

Um beijo de despedida;
um abraço de saudade. 

Toda razão é sentimento. 

Motivos para se amar uma garota.

se ela usar vestidos fora de ocasiões especiais.
se você não cansar do sorriso dela.
se ela tiver uma prosódia fofa.
sim, a prosódia é fundamental.
se ela tiver um queixo bonito.
se você pensar nela ao ouvir folk.
se ela souber que o que vai além de p.s. não é p.s.2
e sim p.p.s. e depois p.p.p.s.
também se ela souber que p.s. significa post scriptum.
se ela tiver um sobrenome legal,
seja pelo sentido ou pela sonoridade.
se ela gostar de poesia irlandesa
e se ela achar seus poemas lindos,
mesmo os mal escritos,
mas é claro, porque são dela.
se ela te amar também cai bem,
mas não é assim essencial,
não tanto quanto a prosódia.

sábado, 6 de abril de 2013

Panapaná.

Estava deitado no colo dela quando a tarde caía. Ele adorava desperdiçar dias assim, com ela, sem fazer nada, vivendo de amor, vinho, boa música e bons livros. Estava deitado no sofá em frente à varanda com a cabeça apoiada no colo dela, a luz clareava metade do quarto e a poeira brilhava flutuando lentamente, aquela simples beleza lhe fascinava. Ela acariciava seus cabelos de uma maneira que ele adorava, enrolando ainda mais aqueles encaracolados e macios fios pretos, quando ele resolveu quebrar o silêncio.
— Acho isso tão lindo, sabe? Essa poeirinha brilhando assim quando a tardinha cai, parecem até umas fadinhas ou coisa do tipo.
— Panapaná. — as conversas deles eram sempre assim, ele falando muito e tentando não parecer idiota, ela sempre monossilábica o destruindo com frases diretas.
— Um panapaná? Como assim panapaná?  — olhou para ela completamente confuso.
— Coletivo de borboletas.
— Ah.
Só assim ele falava pouco, quando não tinha o que falar. Deitou-se de volta e pensou um pouco no que ela havia dito. Sim, aquilo realmente parecia um monte de pequeninas borboletas, era tão bonito. Puxou a ponta do vestido dela como uma criança tímida chama a mãe, olhou naqueles olhos acastanhados e disse:
— 'Cê me dá um panapaná no estômago.
Ela apenas fechou os olhos e sorriu-lhe sem mostrar os dentes. Ele a amava.

Panapaná.

Borboletas. Sentia algo parecido com borboletas em seu estômago. Voavam para todos os lados, as pequenas asas coloridas batendo. Detrás de seu umbigo sentia cócegas, algo engraçado que lhe gelava por inteiro. Algo como: borboletas.
Mas não era possível, sabia que não era, como poderia haver borboletas em seu estômago? Elas não teriam como nascer, tampouco viver, sobreviver. Devia ser reacção de algo que comera, devia ser uma alergia, alguma doença, tudo que não borboletas.
Deixou estar, mais cedo ou mais tarde passariam.
Não passaram, por vezes diminuíam, por vezes aumentavam, mas estavam lá presentes, assim que acordava e antes de dormir, as borboletas voavam o dia inteiro, incansáveis, batiam asas.
Perguntaram-lhe se não era amor, muitos diziam que o amor causava isso nas pessoas, uma sensação como a de borboletas no estômago, apesar de ninguém jamais ter sentido borboletas no estômago. Ele negou, negou veementemente, não acreditava em amor e coisas do gênero, era racional demais para isso. Eram borboletas, só podiam ser.
Resolveu procurar ajuda. No médico, disse que não se sentia bem, que algo estava errado dentro dele, tirou uma radiografia e, na hora do resultado, nada. Não encontraram nada.
Sabia que não devia confiar nos outros, ele devia resolver sozinho.
Enfiou o comprido dedo indicador fundo na garganta, não conseguiu. Respirou fundo, esticou dois dedos e os enfiou novamente, segurou-se, abriu mais a boca e regurgitou no vaso. Nada. Nem uma mísera asa, somente a refeição de mais cedo. Com a boca ainda suja de vômito, soltou um palavrão. "Merda."
Conviveu ainda algum tempo com as borboletas, contou a uma amiga o que lhe afligia. Ela, compreensiva, disse que as coisas melhorariam e lhe abraçou. O abraço fez as borboletas enlouquecerem, revoavam agitadas por sua flora intestinal. Finalmente entendeu: a alergia era culpa dela. Afastou-se.
A principio, surtiu efeito, as borboletas se acalmaram. Voavam menos. Logo sumiriam de vez, afinal era só alergia, alergia à sua amiga. Uma pena, gostava dela.
Mas com o passar do tempo elas ficaram selvagens, ferais, revoltadas. Como naquele abraço, voavam, batiam-se, sentia um farfalhar de asas. Ao pensar em sua amiga, qualquer coisa lhe a lembrasse. Voavam, cada vez mais.
Cansou-se, não aguentava mais, já suportara demais essas borboletas, essa alergia, esse seja lá o que fosse.

A ponta da faca era gelada, sua ponta era muito pontiaguda, encostou em sua pele e tremeu de medo. Respirou fundo, pensou em sua amiga, as borboletas levantaram voo. Tinha de dar um basta. Pressionou a ponta da lâmina, um pouco acima do intestino. Num só movimento, rasgou-se, abriu um corte profundo, mas não sentiu nada. Tirou a faca do buraco que lhe fizera, nem uma gota de sangue. Achou estranho. As borboletas finalmente pararam. Perguntou-se se morrera, se a dor fora tão intensa que estava torpe.
Sentia algo escorrendo dentro dele, querendo sair. Antes que pudesse reagir um bando de borboletas saiu dentro dele, de todas as cores e tamanhos, luzidias, alvas. Voavam, voavam para o alto. Belas, livres.
"Eram mesmo borboletas." Ele pensou, rindo para si mesmo, na boca, um sorriso torto, confuso, ensanguentado.
Ensanguentado.
Lambeu seu lábio e percebeu o liquido quente que escorria, olhou para o corte que fizera. Jorrava sangue. Ficou pálido, de medo e de falta de sangue.
Foi tentar fazer qualquer coisa para interromper o sangramento, mas assim que se movimentou, suas tripas escorregaram para fora, caíram, gélidas, em seus pés.
E lá mesmo morreu.
Com as tripas no chão e as borboletas no céu.