sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Hiato.

Escreveu mais um poema, publicou-o, enviou a todos seus amigos. Esse era um dos bons, se não o amassam eles teriam algum problema, e se não comentassem seria coisa absurda, mas eles não fariam uma coisa dessas, olha só essas imagens que ele criou, não haveria como deixar isso passar, e essas rimas ricas, sem contar aquela que funciona tanto em português quanto em francês, brilhante. E aquela quebra na métrica justamente no verso que quebra todo o sentido? Como ele conseguira fazer aquilo? Pensava consigo mesmo que atingira um novo patamar.
Mas não, eles não amaram seu novo poema. Nem mesmo comentaram, nem mesmo um "achei legalzinho, embora não tenha entendido nada", eles nunca entenderam, nunca mesmo, e o azar era todo deles, eles que estavam perdendo a riqueza literária que ele trazia. 
Pois bem, ele lhes daria uma resposta à altura: entraria em hiato, pararia de escrever por um tempo e eles não teriam poemas em suas vidas, aí sim descobririam como precisavam da arte. Melhor ainda, utilizaria todo esse tempo para pensar em só um poema, poderia ser um poema grande, daqueles que traz uma histeria à la Campos, mas também precisa de sensibilidade, consulta o maior de todos, Baudelaire, para isso. Mas não pode esquecer-se da métrica, ela tem de fundir-se à perfeição com o conteúdo, como um Bilac juntando-se ao romantismo. O ritmo também precisa ser levado em conta, que tal um ritmo para cada estrofe? Tudo de acordo com o que ela quer dizer, as Odes horacianas todas em um só poema, isso sim seria o ápice. Falando em clássicos, uma referência ou outra aos mitos não fazem mal a ninguém, mas de certo modo atualizados, como um Joyce versejador. E as imagens, não pode esquecer-se das imagens, Yeats lhe serviria. Por fim, uma pitada de nacionalismo e engajamento social, mas não um nacionalismo, talvez precise de um sentimento mundial, é isso.
Pronto, dois anos depois estava escrito o maior poema de todos os tempos, só falta-lhe o título. Antes disso ele quer ver como estão seus amigos, provavelmente miseráveis, não sei como podem ter vivido tanto tempo sem a poesia, por vezes eles até conversavam com o nosso heroico poeta, mas ele não lhes transmitia toda a poeticidade que poderia passar, eles não mereciam.
Olhando direito, eles não estavam miseráveis, parece que não precisam de poesia, e o que fazer com o nosso grandioso poema? Acho melhor dar o título, pelo menos, "Hiato" lhe cairá bem, e é claro que será publicado e enviado a todos os amigos do mesmo jeito, pouco importa se não entenderão um décimo das referência, pouco importa se não reconhecerão os iâmbicos, pouco importa se não compreenderão a mensagem, pouco importa a vida, ele ainda tem a poesia.

Hiato.

Estava sempre correndo contra o tempo. Prazos, expectativas, pressão. Todos queriam algo a mais dele, um esforço, uma força.
De segunda a segunda, não tinha sossego, em casa, no trabalho, com os amigos, um novo problema, um novo projeto, uma nova ideia.

Um novo motivo para perder o sono.

Dormia cada vez menos, tinha sonhos cada vez piores.
Sonhava que dormia.
Sonhava que descansava.
Sonhava que tinha paz.

E os dias passavam, e ele ficava. Todos seus planos... não eram tão importantes. Todas suas metas... ficaram para trás. Seus sonhos, morreram. E ele, ele ficava.

Cansado, exausto, esgotado. Sobrevivia, sem tempo para viver.
Morria, sem tempo de sofrer.

Resolveu tirar férias, mas teria logo de voltar, não daria tempo para voltar no tempo.
Resolveu se demitir, mas não conseguiria manter as coisas como estavam.
Resolveu tirar um hiato, indefinido.

E, se não houver vida após essa, eterno.