terça-feira, 30 de outubro de 2012

Com gelo.

Restaurante. A mesa de mogno. Uma toalha branca. Dois pratos. Talheres em pares. Duas taças e dois pequenos copos.  Diversas velas. Um vaso de flores. Rosas. Duas cadeiras de mogno. Aproximam-se três pessoas. Um rapaz, a moça e aquele que muito provavelmente seria seu garçom. O último aponta a mesa. O rapaz puxa uma das cadeiras para a moça. Agradece a ele com uma leve inclinação de cabeça e um sorriso.
O garçom pergunta o que querem. Ele começa com algo alcoólico. A moça pede apenas uma água com gelo.
Ele tem um impulso. Faz uma piada. Ela sorri. Ele pensa algo sobre não saber quais talheres usar.
Ela pensa se não deveria sorrir menos, será que ele acha que está sendo muito fácil? Não, ela não fez mais nada que ele possa interpretar mal. E está bonita? Bem, agora já é tarde de mais, não há mais nada que ela possa arrumar, se bem que poderia muito bem ir ao banheiro para dar pelo menos uma ajeitada. Mas não, eles acabaram de chegar, que tipo de mulher que vai a um encontro com vontade de ir ao banheiro? Era melhor esperar mais um pouco. Além disso ele poderia perceber que era apenas um pretexto para ver se estava bonita, e isso apenas faria com que ele ficasse com o ego ainda mais inflado. Ou talvez não, ela não o conhecia profundamente mas já sabia que ele não era do tipo que repara em algo mais que no corpo da mulher com quem saía. Era um bronco, era isso que ele era, e daí que lhe puxara a cadeira? Era o mínimo que deveria fazer, além de ser tão clichê aquele falso cavalheirismo. Verdadeiro cavalheirismo é meramente respeitá-la como indivíduo, não precisava colocá-la como princesa, estamos falando de cavalheiros, não de cavaleiros. Sim, era bonito, algo talvez até principesco, diga-se de passagem, mas isso não era o que ela esperava naquela fase de sua vida, rapazes bonitinhos eram para meninas, jovenzinhas recém-saídas da escola. Ele era sim um bronco, é bem verdade que não o conhecia intimamente, mas do pouco que viu inferiu o todo, não era boa coisa, nenhuma vez falou de algo interessante e uma das primeiras coisas que lhe perguntou foi o time para o qual torcia. Ela não gostava de futebol. É, já passara da hora de se casar, era o que diziam seus pais, às vezes ela via motivos para concordar, esse era um desses momentos em que seus pais apareciam em sua mente a repetir isso. Sim, talvez ela precisasse de alguém que apenas a entendesse, não precisava de um príncipe, de um homem saído de um romance do século XIX ou cousa parecida, tampouco de um galã de uma comédia-romântica, era um jantar e ela não queria vomitar sobre a mesa tão bem posta. Mas talvez fosse apenas esse o problema: não havia quem a entendesse. Bem, a culpa era dela então? Claro que não, sempre fora uma ótima filha e cidadã desde pequena, jamais desrespeitava os pais, na escola era a melhor da classe, sua professora de português no Ensino Médio dissera-lhe que ela iria longe, será que já chegara a essa tal terra prometida? Na faculdade, mais do mesmo, a melhor em todas matérias, orgulho da família e tudo o mais. Paralelamente fazia trabalho voluntário, todos a adoravam, a culpa não era dela. Ou talvez esse fosse exatamente o problema, era exageradamente sem graça. Não sabia, era por demais complicada.
O garçom voltou, havia esquecido do gelo.

Com gelo.

- Eu vou querer... Absinto! - Disse o rapaz mais alto.
- Ok... Absinto, e para você? - Perguntou o garçom bigodudo ao outro garoto.
- Absinto, também, com gelo. - Respondeu o segundo.
- Tudo bem, já volto com as bebidas.
- Por que com gelo, cara?
- Não sei... Pra fazer menos mal?
- Você sabe que dá na mesma né?
O menor fez que sim com a cabeça enquanto as bebidas chegaram e beberam juntos.

- Uísque. - disse o homem loiro.
- Uísque também, com gelo. - o moreno falou.
- Sabe - começou o primeiro - você sempre pede gelo com suas bebidas, sempre tive curiosidade do porquê disso.
- Bom... na verdade, é puro placebo, é como se, pra mim, não fosse tão ruim, como se fosse amenizar. Minto para mim. - Tentou se explicar o segundo.
O que perguntou ficou satisfeito com a resposta e beberam juntos.

- Vodka. - Pediu o gordo.
- Vodka também? com gelo, certo? - O garçom perguntou apontando para o magro.
- Sim... com gelo. - Concordou.
- Sabe, mesmo que fizesse alguma diferença, pelo tanto que você bebe aqui, seria irrelevante, haha. - Disse o primeiro.
- E nem ao menos faz, mas eu finjo que sim.
- Todos nós fingimos, se não fingíssemos, ou enlouqueceríamos, ou não faríamos nada. - Completou o gordo.
O magro apenas meneou a cabeça e beberam juntos.

- Sabe... eu quero te dizer uma coisa. - A moça falou timidamente.
- Ahn? Diga, oras. - O rapaz respondeu enquanto bebia.
- É que... bom... - Ela tentava olhar em seus olhos, mas ele só olhava o gelo no fundo do copo.
- ...
- Eu te amo! - Ela disse, corando instantaneamente.
Ele não sabia o que dizer, pensou em qualquer coisa, menos nisso. Justo ela, justo ele.
- Eu também te amo, com gelo.