sábado, 2 de fevereiro de 2013

A locomotiva.

Hoje a locomotiva descarrilhou,
Perdeu o caminho e colidiu com outra composição.
Felizmente nada tão grave ocorreu,
Apenas trezentos e um feridos
E apenas um morreu.
Mas que é que são trezentos e um dentro de onze milhões?
Ou, ainda mais, que é um dentro de onze milhões?

Aqui nós somos um mero número,
Trezentos e um em onze milhões,
Nada para todos, estatística para poucos,
Por pouco tempo, é claro,
Logo outra locomotiva descarrilha,
Um caminhão capota,
Um incêndio mata centenas.

Só levantamos todos os dias para fazer a locomotiva andar,
Cada dia mais rápida, cada dia pior.
A locomotiva não pode parar,
A locomotiva não pode dormir,
A locomotiva se orgulha disso,
Mas não deveria.

Antes da morte eu vivia em uma constante doença,
A locomotiva me destruía aos poucos.
A fumaça me enchia,
Os pulmões enegreciam,
Até chegar ao ponto em que não se diferenciava mais.
O que é a doença?
O que sou eu?

Meu pulmão dói, todos estão aborrecidos,
Olho em volta e todos se odeiam,
Mas não deveríamos odiar uns aos outros
A culpa não é nossa,
A culpa é de quem escolhemos
Para conduzir a locomotiva.
Pois há quem diga que nem sempre foi assim,
Que houve um tempo em que éramos felizes,
Dentro dos trens de passageiros
Podíamos andar pelos corredores sem medo,
Podíamos visitar a cabine vizinha,
E encontrar alguém,
Alguém mais amável,
Alguém mais seguro,
Alguém inocente,
Jovem e belo,
Alguém mais puro.

É claro, poderia ter sido pior,
Mas perdemos apenas um.
A locomotiva não hesita em atropelar um,
Se milhões ficarem bem com isso.
Mas esse um era trezentos e um, no fundo,
O um aceitaria ser parte de apenas trezentos e um,
O um não queria ser onze milhões, não.
Sonha-se em ser um grande escritor,
Se não der certo, crítico literário serve,
Pelo menos viajar com o amor de sua vida
Em uma carruagem ou coisa simples assim.
Mas não, que tal viajar sufocado em uma locomotiva
Onde não faz diferença e que só o vê como um número?
Os tempos estão difíceis para os sonhadores, é claro.

A locomotiva descarrilhou,
Atropelou-me.
Mas eu só queria poder ver as estrelas.

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