sexta-feira, 29 de abril de 2011

O espantalho.

- Haha, espantalho, feio, bobo! - Gritavam em coro as crianças enquanto passavam pela ponte que o espantalho guardava. - Ninguém mais tem medo de você, vá embora!
O espantalho, desmotivado, cansado, simplesmente ignorava todas as ofensas. Sentava-se numa pedra, tirava seu velho chapéu, passava os dedos finos pelo cabelo de palha e suspirava. Olhava para cima com seus olhos de botão e sua boca costurada se desdobrava num arco de tristeza.
De longe, uma garota sempre o observava, com dó de sua dôr, mas nunca fazia nada, pois do espantalho sentia pavor.
Todo o dia a cena se repetia: o espantalho na ponte, as crianças passando, ele se aproximava, elas o atacavam, ele ia embora, sentava-se numa pedra.
E a garota sempre observava, enrolando suas tranças, criando confiança.
Um dia, depois de muito esperar, o espantalho ela foi ajudar.
- Espantalho idiota, você não assusta ninguém, vai embora! - Elas diziam pulando.
- Deixem-no em paz, não vêem que mal ele não faz? - A garota disse aos berros, ficando entre o espantalho e as crianças de braços abertos. - Ele só quer um amigo, não representa perigo.
As crianças pararam, não percebiam as intenções do espantalho, só viam como ele era feio e diferente, e por isso o rejeitavam. Eles se distanciaram e deixaram a garota falar com ele.
- Por que você resolveu me ajudar? Ninguém nunca me ajuda, não faça isso. - Disse o espantalho com um ar de espanto na voz.
-Oras, todos merecem uma chance, mesmo que por um instante. Não é porque você não é normal que fará algum mal. - A garota respondeu, e seu rosto enrubesceu.
O espantalho olhou para cima, bem distante, se seus olhos não fossem botões, com certeza teriam brilhado.
- Então você realmente quer me ajudar? Está disposta? - Ele indagou agitado, e quando a menina meneou a cabeça dizendo que sim, abraçou-a. O abraço era forte mas macio, ele não a soltava. Porém, começou a apertar mais, a pegou pelos braços e a jogou pela ponte. A garota não teve reacção além de cair.
As crianças assombraram-se com a acção do espantalho e foram ajudar a garota. - Quem será o próximo que irá para a a água?! - Rugiu o espantalho. Ergueu os braços e tentou pegar o primeiro, que escapou e fugiu assustado. Os outros com medo foram atrás dele e deixaram a garota com o doentio boneco de palha.
Voltando para onde jogara a garota o espantalho foi conferir seu trabalho.
- Nem todo mundo é bom, ou quer amigos, eu não sei se você entenderá, mas a minha função é essa: assustar. Eu sou um espantalho, eu espanto. Mas agradeço o seu carinho e por isso te deixarei ir de fininho.
A garota, que havia caído n'uma espécie de ninho, no qual o espantalho dormia, não sabia o que dizer. Com medo apenas sorriu, olhou para seus olhos de botão, olhou para o chão e levantou-se.
- Eu ainda quero que seja meu amigo, mesmo que eu corra perigo. Eu não tenho medo. - Lhe disse em segredo, antes de partir.
O espantalho nada disse. Sentou-se na pedra e olhou para o céu, mas se seus olhos não fossem botões, teria derrubado uma lágrima de solidão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário